Decisão

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: A – Relatório 1 – A., S.A., reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão do relator, no Tribunal Constitucional, que, conhecendo do mérito do recurso de constitucionalidade, decidiu negar-lhe provimento. 2 – Fundamentando a sua reclamação, diz a reclamante o seguinte: Notificados do teor da douta decisão sumária dela nos apresentamos a interpor reclamação para a conferência o que fazemos nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. É verdade que há decisão anterior e é verdade que vai em sentido contrário ao pretendido por nós, mas também é verdade que – por exemplo – na questão relativa ao direito à identidade pessoal, conexa com o problema do reconhecimento da paternidade, o Tribunal Constitucional decidiu várias vezes pela constitucionalidade de norma gritantemente inconstitucional (porque, justamente, a identidade pessoal é direito incondicionável e, por isso, insusceptível de lhe ver oposto um qualquer prazo procedimental) mas, graças à confiança de algum advogado diante do risco a questão foi de novo suscitada e, enfim, o Tribunal Constitucional pôde vê-la; 2. Não cremos que aqui tenhamos êxito análogo, mas pensamos que a questão deve ser re-examinada por nela haver tanto quanto parece – mais do que foi decidido; 3. Na verdade, a decisão sumária cita a tradução portuguesa do nº 2 do art. 2º do 7º Protocolo anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 4. (Confessamos que não havíamos visto tal texto, ou teríamos suscitado imediatamente a questão) e nessa versão traduz-se “acquitement” por absolvição... 5 . Na verdade, “acquitement” é algo mais do que uma absolvição (que poderia expressar-se, no plano de generalidade pretendido, como “renvoi” sendo essa a única expressão que poderia equivaler a englobar todos os matizes possíveis e plausíveis (o “relaxe” por exemplo) que a absolvição abrange no direito francês; 6. “Acquitement” é realmente uma sentença específica de um tribunal específico (a cour d’assises) e com um regime de recurso específico (já que a decisão do “pourvoi” não pode lesar os interesses da pessoa ilibada na sentença). A decisão de acquitement é definitiva desse ponto de vista. 7. Também no Direito Anglo-Saxónico a decisão com a designação de “acquittal” é insusceptível de condenação posterior a decidir em recurso; 8. A “Cour d’Assises” (“tribunal dos assises” como se ousou traduzir no Gabinete de Direito Comparado da PGR e, sem corar de vergonha, se consente que esteja no Eurodicton) é um tribunal colectivo com competência para julgar os crimes, tal como os define a Lei Penal Francesa (onde se distingue entre contravenção, delito e crime) tribunal aliás com intervenção de jurados e presidido por magistrado do Tribunal Superior. 9. Tal tribunal também pode funcionar como Tribunal de Recurso contra decisão de idêntico tribunal (a partir de 2001) reunindo então e neste caso com maior número de jurados. 10. As peças de Direito Internacional deviam ter a tradução portuguesa proibida... Há aqui um problema, só assim se evitaria que o Gabinete de Direito Comparado da Procuradoria Geral, traduza sempre por “decisão de absolvição” a “order of acquittal” e a “court’s decision involving an acquittal or nonsuit”; 11. Aparentemente, não lhes passa pela cabeça que o uso de duas expressões há-de significar, no mínimo, que quando se opta por uma delas é porque há uma intencionalidade específica quanto ao que pretende expressar-se, 12. Sempre houve uma acentuada tendência do chamado tradutor-médio local para traduzir “essência” por “gasolina”, circunstância em razão da qual talvez se pudessem proibir essas traduções, ao menos no plano editorial, não vá dar-se o caso de alguém pensar que tais traduções existem (é um caso de protecção do consumidor, como qualquer outro) 13. Já quanto a “acquittal by the Assise Court after reconsideration of sentence” dizem (é incrível) “absolvição pelo tribunal de assises após revisão” (isto é que é saber Português, não?... Não falando já do Francês e do Inglês), 14. Pudéramos nós fazê-lo e haveríamos de dizer-lhes duas ou três coisas (felizmente, porém, jamais nos cruzamos) mas a verdade é que todas estas luminosas ideias estão no Eurodicton (“ad majorem culturae gloriam”, imagina-se) 15. Deus nos valha... 16. “Acquitement”, por consequência, não é o “relaxe” nem cabe na fórmula genérica de “renvoi” (embora tenha o “renvoi” como efeito e esse efeito assim possa expressar-se pragmaticamente) 17. À tradução de “acquiternent”, por consequência e em todo o caso, não basta a palavra “absolvição”. 18. Ora saber se o recurso contra um “acquitement” se traduzirá em decisão da qual possa não caber recurso (de acordo com os Direitos nacionais) é matéria aparentemente clara (pesem embora as volatilidades das aparências em Direito)... Mas isso será assim contra qualquer “renvoi” de qualquer acusado, ou arguido? 19. Essa é a questão; 20. Primeiro, porque se assim fosse – e assim fosse em todos os casos e sempre – o nº 1 do art. 2º do 7º Protocolo careceria de sentido útil, porque traduziria simples inutilidade admitir um soleníssimo compromisso internacional quanto a objecto relativamente ao qual todos os outorgantes ficariam, nos termos de tal interpretação, com a liberdade absoluta de a todo o tempo o desrespeitarem em todos os termos, 21. Outorgar o inútil carece de sentido, 22. Portanto, a liberdade reciprocamente concedida pelos estados outorgantes, neste plano, é certamente alguma, mas não pode ser toda, porque em tal caso o 7º Protocolo não teria existência prática. 23. E assim, diríamos, que quanto às decisões do pleno do Supremo Tribunal de Justiça quando julgue em primeira instância está o Direito Nacional dispensado da segunda instância de recurso (ressalvadas as questões de Direito Constitucional, bem entendido), podendo desse ponto de vista invocar-se esta disposição (o nº 2 do art. 2º do 7º Protocolo); 24. Outra situação onde se poderia invocar esta disposição seria a concessão aos direitos nacionais da possibilidade de rever, em recurso, a decisão designada por acquittal no Direito Anglo-saxónico ou por acquitement no direito francês, com o matiz de admitir uma decisão de recurso de alcance condenatório e, aí, sem a possibilidade de novo recurso; 25. Naturalmente, isso insere-se numa perspectivação do alarme que uma absolvição possa causar em caso de crime de maior gravidade, parecendo razoável deixar aos Direitos Nacionais – como expressão da vontade soberana dos respectivos Povos – a gestão dessas questões e a gestão das acentuações processuais nestes casos, necessariamente muito graves (cuja punibilidade ultrapasse os cinco anos de prisão porque só esses casos são julgados pela Cour d’Assises); 26. Também carece de sentido levar ao Supremo Tribunal de Justiça uma simples multa, em contravenção e também aqui o nº 2 consente aos Direitos Nacionais a salvaguarda dos seus Tribunais Superiores (em obediência ao brocardo em cujos termos “de mininis non curat praetor”); 27. Tal não significa que as questões de menor gravidade caibam no horizonte dos cinco anos de prisão, como a douta decisão sumária, sem mais, formulou... 28. Bem ao contrário – sempre salvo melhor entendimento – o que a doutrina europeia dos Direitos do Homem tem usado como critério de classificação da gravidade como menor é, justamente, a ausência da pena de prisão, termos em que aqui parece haver uma interpretação contrária ao sentido geral (o que de resto é, passe a expressão, natural entre nós); 29. Um crime punível com cinco anos de prisão não é infracção de menor gravidade à luz da Convenção Europeia e dos seus protocolos anexos; 30. E tão pouco um crime punível com cinco anos de prisão corresponde a um julgamento na Court d’Assises, motivo pelo qual não corresponde à respectiva decisão absolutória o “acquitement” , mas o “relaxe” 31. Ora, justamente – e ao contrário do que com toda a segurança e clareza escreve a decisão sumária – pensamos que são estes os casos onde o 7ºProtocolo não dispensa, explícita ou implicitamente, o recurso de uma primeira condenação em segunda instância (contra a decisão de “relaxe” e não contra a decisão de “acquitement”); 32. Pode ser, evidentemente, que não tenhamos razão e pode ser que a tenhamos e no-la neguem, mas o que nos parece indesmentível é que todos ganharemos com uma resposta específica a estas questões Assim, em conclusão, I. “Acquitement” não pode traduzir-se, sem mais, pela expressão genérica “absolvição” – como o fez a versão portuguesa do 7º Protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem – por corresponder a decisão específica, de um específico tribunal, numa forma demarcada de processo, quanto a previsões penais de maior gravidade, II. A recusa de recurso ao arguido contra decisão que pela primeira vez o condene em segunda instância, deve ter-se por assente quando a decisão absolutória originária tenha sido proferida por Tribunal do Júri, (o vago correspondente local da Court d’Assises julgando em primeira instância) devendo esta solução entender-se como o reconhecimento recíproco das Altas Partes do direito de gerir e resolver os problemas que colocam as perspectivas das respectivas comunidades face aos crimes mais graves, III. Tal não significa que um crime punível com cinco anos de prisão deva classificar-se, nos termos do protocolo em referência, como infracção menos grave, porque, justamente, a menor gravidade das infracções para estes efeitos define-se justamente pela ausência da pena de prisão, tal como tem sido perspectivado pela doutrina europeia dos Direitos do Homem; assim sendo, IV. Se bem vemos, V. O “renvoi” anulado por uma primeira condenação em segunda instância, está fora da licença concedida quanto a procedimento análogo em caso de “acquitement”; VI. Termos em que uma absolvição (não decretada por Tribunal do Júri) anulada em primeira condenação pelo Tribunal Superior, não suscitando a gravidade desse crime qualquer alarme ao qual deva fazer face a Lei Processual Penal – como se concede neste Protocolo para casos mais graves julgados pelo Tribunal do Júri – está fora das licenças concedidas pelo art. 2º/2 deste texto de Convenção Internacional VII. Motivo pelo qual deve rever-se a douta decisão sumária dando-se provimento à presente reclamação com o alcance pretendido no requerimento de interposição do recurso para este Venerando Tribunal, VIII. Devendo notificar-se o recorrente para a apresentação das respectivas alegações». 3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, respondeu dizendo: “1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente. 2 – Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão reclamada e da firme corrente jurisprudencial que lhe está subjacente”. 4 – A decisão reclamada diz o seguinte: «1 – A., S.A., com os sinais identificativos dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos que vedem ao arguido pela primeira vez condenado num tribunal superior (condenado na sequência de uma absolvição na primeira instância) o exame da decisão condenatória numa instância jurisdicional superior, assim negando a dupla jurisdição de recurso no caso do arguido ser pela primeira vez declarado culpado num Tribunal da Relação e na sequência de absolvição anterior, pretextando que tal norma viola o artigo 2.º do 7.º Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo o alcance de uma violação das garantias de defesa do processo penal enunciadas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 2 – A decisão recorrida tem o seguinte teor: “I. Os arguidos A., S.A., B., C. e D. interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora que alterou a decisão da 1ª instância e condenou a sociedade arguida na pena única de 300 dias de multa à taxa legal mínima e os arguidos na pena única de um ano e meio de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano na condição de pagarem as importâncias fixadas a título de indemnização civil, ou que vierem a ser fixadas em acordo ulteriormente formulado entre as partes. Por despacho do Exmo. Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, nos termos do art. 400º, nº 1, alínea e), do CPP. Inconformados com o assim decidido deduziram os recorrentes reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, onde, além de atacarem a decisão da Relação, invocando a nulidade da mesma, sustentam que a interpretação dada ao art. 400º do CPP [seguramente a sua alínea e)], viola o art. 2º do 7º Protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem bem como o princípio da dupla jurisdição de recurso. II. Cumpre apreciar e decidir. No caso em apreço, está em causa um acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Évora que, em processo respeitante a um concurso de infracções, alterou a decisão da 1ª instância, condenando a sociedade arguida na pena única de 300 dias de multa à taxa legal mínima e os arguidos na pena única de um ano e meio de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, na condição de pagarem as importâncias fixadas a título de indemnização civil, ou que vierem a ser fixadas em acordo ulteriormente formulado entre as partes, pela prática dos crimes continuados de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 105º e 107º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho. Abstractamente, nem a cada um dos crimes integrantes do cúmulo jurídico era aplicável isoladamente pena superior a cinco anos, nem a pena aplicável a esse cúmulo em referência a cada um dos arguidos podia ser superior a cinco anos de prisão, atento o que se dispõe no art. 77º, nº 2, do CP. Ora essa situação cai precisamente na previsão da parte final do nº 1 da alínea e) do art. 400º do CPP. No que concerne à alegação de que o acórdão da Relação padece de nulidade, refere-se que, a existir o alegado vício processual, devia ter sido arguido perante o Tribunal da Relação, como resulta do art. 379º, nº 2, do CPP, atento o disposto no art. 668º, nº 3 do CPC, aplicável ex vi do art. 4º daquele diploma. A lei não desprotege assim os ora reclamantes quando o acórdão padece de alguma nulidade, sendo a decisão irrecorrível, uma vez que lhe possibilita a sua arguição perante o próprio tribunal que a proferiu. Não se pode entender que a simples invocação da nulidade de um acórdão que a lei considera irrecorrível, transforme esse mesmo acórdão em decisão recorrível para este Supremo Tribunal. Em resumo: se o acórdão é recorrível, a nulidade deve ser invocada no recurso a interpor para o S.T.J.; se o acórdão é irrecorrível, a nulidade só pode ser invocada perante o próprio tribunal que proferiu a decisão. No respeitante à alegação que a interpretação dada ao art. 400º, nº 1, alínea e), do CPP, viola o art. 2º do 7º Protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem refere-se que, tendo este como epígrafe o “direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal”, apenas garante àquele que é declarado culpado o direito de se fazer examinar por uma jurisdição superior, resultando o mesmo do art. 32º da CRP, que referencia o direito ao recurso como uma garantia de defesa do processo criminal, ou seja, garante-se aos arguidos o segundo grau de jurisdição, tal como aconteceu no caso dos autos aquando do julgamento pela Relação. Aliás, o Tribunal Constitucional já apreciou esta questão no acórdão nº 49/2003, de 29 de Janeiro (DR, II Série, de 16.04.2003), concluindo pela não inconstitucionalidade do art. 400º, nº 1, alínea e), do CPP. Diz-se neste acórdão, na parte que releva, que não desrespeita o nº 1 do art. 32ºda CRP a norma da alínea e) do nº 1 do art. 400º do CPP, quando interpretada no sentido de não admitir o recurso para o STJ a decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória da 1ª instância, por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. Custas pelos reclamantes, com a taxa de justiça de 3 UC. Notifique”. 3 – Integrando-se o caso sub judicio no âmbito normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se com base nos seguintes fundamentos: A questão decidenda foi já apreciada neste Tribunal, que, pelo Acórdão n.º 49/03, concluiu pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal. Tal aresto sustentou-se na argumentação que, de seguida, se transcreve: “(...) A questão de constitucionalidade suscitada reside, assim, em saber se o nº 1 do artigo 32º da Constituição impõe o direito a recorrer de decisões condenatórias proferidas pelo tribunal da relação em recurso de decisões absolutórias, relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis com pena de multa ou com prisão até cinco anos). Apenas se considera, portanto, a norma contida na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal quando aplicada a recursos interpostos de acórdãos condenatórios da Relação proferidos em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1ª instância, pois que é a esta dimensão que as alegações apresentadas neste Tribunal pela recorrente restringem o objecto do recurso de constitucionalidade. 4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos. Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo. Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede. Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa. Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição . A ligação entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cfr. a conclusão D). 5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pela relação. Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso. Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação. Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar. Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará. A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralização, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa for aplicável pena de prisão "não superior a oito anos" (alínea f)) – não sendo hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar "decisão de 1ª instância". Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. 6. A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte: Artigo 2º 1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei. 2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição. Como se vê, a parte final do nº 2 ressalva, precisamente, a hipótese que está em apreciação no presente recurso. 7. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade”. 4 – Acolhendo a bondade desta argumentação, que aqui se renova, cumpre apenas reiterar também, por mor da sua particular pertinência para o caso sub judicio, o que se deixou consignado no Acórdão n.º 352/98 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ), onde se deixou claro que “se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem deve ser perspectivada num sentido de aplicação directa no ordenamento jurídico nacional, é necessário não olvidar que, se dos preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais já se retirarem, em todas as suas vertentes (aqui se incluindo as que se extraiam de uma interpretação efectuada, como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada , 3ª edição, 138, " de acordo com as regras hermenêuticas, à ordem constitucional dos direitos fundamentais "), os alcance e sentido que porventura se encontrem naquela Convenção , nada lhe sendo, pois, acrescentado por esta, o recurso à mesma é, de todo e na realidade das coisas, destituído de sentido (cfr., por entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal números 14/84, ponto 2.2., parte final, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional , 2º vol., 339 e segs. e 222/ /90, idem, 16º vol., 635 e segs.)”. Ora, como se viu, as exigências tutelares assinaladas ao mencionado preceito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem em nada se diferenciam, quanto às garantias de defesa dos arguidos, principaliter no que tange com o direito a um duplo grau de jurisdição, das que se encontram concretizadas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. 5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, com 8 (oito) UCs. de taxa de justiça». B – Fundamentação 5 – Como resulta dos termos da sua reclamação, a reclamante não refuta os fundamentos de direito constitucional em que, por apropriação da doutrina expendida no Acórdão n.º 49/03, se abona a decisão reclamada, e, nomeadamente, a relação de correspondência, nele afirmada, entre a garantia de existência de um segundo grau de jurisdição em material penal, consagrada na nossa Constituição, e o sentido do texto do art. 2.º, n.º 2 do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, na tradução em português , constante da resolução da Assembleia da República n.º 22/90 e que foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, de 27 de Setembro. Quanto ao alegado relativamente ao sentido da palavra acquitement , constante do original do Protocolo, em língua francesa, que faz fé, é de notar que Portugal está vinculado, apenas, ao texto da Convenção e não também ao sentido que esse termo pode transportar nos regimes processuais dos diferentes Estados, como a França ou a Inglaterra, aí, conformados dentro da liberdade que lhes é deixada pela Convenção. O uso dos vocábulos, nos originais do texto da Convenção que fazem fé, não carrega qualquer vontade pactícia de observância dos regimes processuais penais vigentes nos Estados, até porque essa matéria foi deixada à soberania destes. Não se vislumbram, assim, razões para abandonar a firme corrente jurisprudencial em que se abona a decisão sumária (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 377/03, 390/04, 140/06 e 487/06, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). C – Decisão Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs. Lisboa, 13 de Dezembro de 2006 Benjamim Rodrigues Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma (com declaração de voto correspondente à que juntei ao Acórdão n.º 390/04, em que suscitei dúvidas no sentido da inconstitucionalidade). Rui Manuel Moura Ramos

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