Sumário


1.Se o acórdão da Relação de que se pretende recorrer – tal como o acórdão da 1.ª instância – foram proferidos já no domínio da vigência das alterações do CPP, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, é este o regime aplicável para se aferir da recorribilidade da decisão.
2. Face ao novo regime, não é recorrível o acórdão da Relação que confirmou o acórdão da 1.ª instância que aplicou aos recorrentes pena de prisão inferior a 8 anos.

Decisão


Os arguidos A. e B. vieram interpor recurso para o STJ do acórdão desta Relação, proferido a fls.1597 a 1672, que negou provimento aos recursos que haviam interposto.

O Ministério Público na resposta apresentada defende a irrecorribilidade do acórdão proferido por esta Relação, uma vez que a pena aplicada a cada um dos recorrentes é inferior a 8 anos.

A nossa jurisprudência e a doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum - (cf. Acs. do STJ , de 17.12.69 , BMJ 192 , 192 , 4.12.76 , BMJ 254 , pág. 144 , 11.11.82 , BMJ 331 , 438 , 10.12.86 , BMJ 362 , 474 e José António Barreiros , Sistema e Estrutura do Processo Penal Português , 1997 , I , 189 ) e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova , não havendo que tutelá-las,” não tinham razão de ser ”(cf. Manual de Processo Civil , de Antunes Varela, Miguel Beleza , Sampaio e Nora, 1984, 54/55), arredando a aplicabilidade da lei nova, sublinham, no caso particular do direito processual civil, estes últimos autores .

A mais recente orientação jurisprudencial do STJ é também a de que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido – cf., entre outros, o acórdão do STJ de 25.6.2008, proferido no recurso n.º 1779/08, de que foi relator o Juiz Conselheiro Simas Santos, acessível in www.dgsi.pt/jstj.

É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1.ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

O acórdão de que se pretende recorrer – tal como o acórdão da 1.ª instância – foram proferidos já no domínio da vigência das alterações do CPP que foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto. Ou seja, quando se abriu a fase de recurso, após a publicação em 2 de Julho de 2008 do acórdão da 1.ª instância, já estava em plena vigência a lei processual que ora nos rege, nomeadamente os artigos art. 400.º n.º1, alin. f) e 432.º n.º1, alin. b), ambos do CPP.

Assim, com o devido respeito pela opinião dos recorrentes, tais recursos são inadmissíveis, face à lei nova, que é a aplicável, porquanto o acórdão desta Relação confirmou o acórdão da 1.ª instância e aplicou aos recorrentes pena de prisão inferior a 8 anos, ainda que tais recursos fossem admissíveis, face à lei anterior.
Como se refere no Ac. do STJ de 15.07.2008, relatado pelo Exmo. Juiz – Conselheiro Rodrigues da Costa, acessível in www.dgsi.pt/jstj, “No âmbito da lei anterior, era conhecida a jurisprudência deste STJ a respeito do art. 400, n.º 1, alínea f) do CPP, pois é tal preceito que está em causa na vertente situação. O STJ só conhecia, em recurso de acórdãos proferidos pelas relações, que confirmassem decisão condenatória da 1.ª instância, dos crimes, singularmente considerados, cuja pena aplicável fosse superior a 8 anos. É que de acordo com o disposto no referido preceito, não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções. Entendia-se que era como se cada um dos referidos crimes fosse objecto de um processo, sendo a competência do tribunal determinada por conexão, nos termos do art. 25.º do CPP. Se cada um dos crimes tivesse sido julgado separadamente no processo atinente a esse crime, não haveria lugar a recurso para o STJ, por força de ao crime não ser aplicável pena de prisão superior a cinco anos.

Esta jurisprudência, que podia dizer-se maioritária, senão mesmo uniforme, tinha uma variante na 5.ª Secção Criminal: a de que o Supremo Tribunal podia (devia) rever a pena única aplicada num concurso de crimes, quando a pena aplicável, segundo os critérios do art. 77.º, n.º 2 do CP, tivesse um limite máximo superior a 8 anos. Desse modo, embora não se conhecesse dos crimes cujas penas singularmente aplicáveis não fossem superiores a 8 anos de prisão e fossem confirmadas, em recurso, pelas relações, revia-se a pena única nas condições acima referidas e controlava-se a sua conformidade com os critérios específicos a que a lei mandava atender para a sua determinação concreta. Isto, claro está, se tal pena única tivesse sido posta em causa no recurso.
(…)

Na redacção actual do art. 400, n.º 1, alínea f), passou a falar-se em pena aplicada em vez de pena aplicável e deixou de se fazer referência ao concurso de crimes.

Art. 400.º

1 – Não é admissível recurso

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.»

Deste modo, por um lado, restringe-se o âmbito da recorribilidade, na medida em que a referência, agora, não é a pena aplicável, mas a pena efectivamente aplicada e, por outro lado, amplia-se essa recorribilidade, ao menos em relação àquela corrente jurisprudencial que atendia somente aos crimes singulares, independentemente do concurso de crimes, não admitindo a revisão da decisão, mesmo em relação à pena única que fosse superior a 8 anos, quando todos os crimes, singularmente considerados, fossem puníveis com pena não superior a esse limite e a Relação tivesse confirmado a condenação.

Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única). O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes. O que significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão, e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.

Dir-se-ia que o legislador, na querela que, a certa altura, dividiu a jurisprudência sobre a questão da pena aplicável ou pena aplicada, no recurso das decisões das relações para o STJ, tomou partido por esta última, embora com um sentido diferente dos termos em que a questão era jurisprudencialmente colocada, pois, neste domínio, a pena aplicada só era de tomar em conta para efeitos de (não) recorribilidade para o STJ, se não houvesse recurso do Ministério Público, caso em que, por força do princípio da “proibição da reformatio in pejus, a pena aplicada não podia ser agravada, convertendo-se então na pena aplicável.

Por outro lado, na questão que dividiu a jurisprudência quanto aos poderes de revisão da pena única, quando aos crimes singulares não coubesse pena superior a 8 anos, mas a pena do concurso excedesse esse limite, dir-se-ia que o legislador optou, nessa querela, pela tese da revisão da pena única, ou seja, pela possibilidade de revisão da medida da pena conjunta aplicada a um concurso de crimes por tribunal de 1.ª instância e confirmada pela Relação, ainda que. a decisão não fosse recorrível quanto aos crimes singulares.

Uma coisa parece certa: com esta reforma, o legislador pretendeu, em matéria de recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha da reforma anterior e reservando para o Supremo Tribunal os casos de maior gravidade. Desde logo, o art. 400.º, n.º 1, alínea f), que temos vindo a analisar, ao tomar como referência da recorribilidade para o STJ a pena efectivamente aplicada, em vez da pena aplicável, restringiu substancialmente os casos de recurso para o mais alto tribunal, pois só no caso de ter sido aplicada pena superior a 8 anos de prisão, que tenha sido confirmada pela Relação, se admite recurso para o STJ – casos, portanto, que são já de grande gravidade.

E mesmo nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ (art. 432.º, alínea c), foi restringida significativamente a possibilidade desse recurso, pois, para além da exigência, que vinha já da anterior reforma, de o recurso visar exclusivamente matéria de direito passar a estender-se também ao recurso do tribunal de júri, o pressuposto relativo à pena deixou de referenciar a pena aplicável para passar a referir a pena aplicada. Com efeito, só são recorríveis para o STJ os acórdãos do tribunal colectivo ou do tribunal de júri, que, visando exclusivamente matéria de direito, tenham aplicado pena superior a 5 anos de prisão.

Mesmo que se leve em conta que a pena aplicada tanto é a relativa à pena singular, como à pena conjunta, a possibilidade de recurso directo para o STJ foi drasticamente restringida, pois só serão passíveis de tal recurso as decisões do tribunal colectivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos. Neste caso, porém, o recurso será restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena conjunta (Acórdão de 02-04-2008, Proc. n.º 415/08, da 3.ª Secção).

Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva focada de restrição do recurso para o Supremo Tribunal, que o legislador, ao falar de pena aplicada em concreto, em vez de pena aplicável em abstracto, pretendesse levar o STJ a conhecer de todos os crimes que formam um concurso de infracções, mesmo que tais crimes correspondam àquela noção que normalmente se designa de criminalidade bagatelar ou que, tendo já passado pelo crivo da Relação, e não sendo crimes de bagatela, viram as respectivas condenações confirmadas por aquela, até um limite de gravidade tido como razoável (na opção legislativa, 8 anos de prisão), a partir do qual se justifica a revisão do caso pelo Supremo Tribunal de Justiça. “

O art. 32.º, n.º 1, da CRP não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas sim o recurso, que foi efectivamente exercido pelos arguidos, tendo sido assegurado o contraditório na apreciação pelo tribunal de recurso, o da Relação.

O exercício do direito ao recurso, bem como os fundamentos pelos quais pode ser exercido, poderão ser regulados pelo legislador interno, como resulta do art. 2.º do protocolo n.º7 Adicional à Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. E no mesmo sentido vai a Jurisprudência de Estrasburgo e o Tribunal Constitucional (cf., entre outros, o Ac. do TC n.º 49/2003, de 29 de Janeiro de 2003).

A questão da problemática do direito ao recurso em matéria penal já foi objecto de apreciação em diversos acórdãos do Tribunal Constitucional, salientando-se, no que à questão da constitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código Penal diz respeito, enquanto limitadora do recurso penal em dois graus de jurisdição, entre outros, os acórdãos n.ºs 49/2003, 377/03, 390/04, 140/2006 e 682/2006 (todos disponíveis em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Como se referiu no acórdão n.º 377/2003, fazendo-se uma síntese da jurisprudência do Tribunal Constitucional:

«O direito de recurso conta-se entre “todas as garantias de defesa” conferidas pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP. Todavia, no domínio do processo penal, esse direito ao recurso basta-se com a existência de um duplo grau de jurisdição. Do art. 20.º, n.º 1, da CRP não resulta que os interessados tenham de ter assegurados todos os graus de recurso abstractamente configuráveis ou um direito irrestrito ao recurso. Numa hipótese, como a da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, em que se mostra assegurado um duplo grau de jurisdição não poderá dizer-se que não esteja assegurado em termos constitucionalmente justificados o direito de acesso aos tribunais. A limitação dos graus de recurso, na situação a que se reporta a alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, justifica-se por estarem em causa crimes que são punidos com penas leves ou de média gravidade e pela necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade, por razões de capacidade de resposta do sistema judiciário e de economia processual

Assim, por irrecorrível, não admito os recursos interpostos pelos arguidos supra referidos.

Notifique-se.

(Processado por computador e integralmente revisto pelo relator)

Évora, 2009-01-06

Fernando Ribeiro Cardoso

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Esta decisão foi disponibilizada publicamente pelo Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça.

Como parte de um esforço constante de proteção de dados pessoais, este processo foi atualizado a 30 Out. 2017. Até agora, foi atualizado 1 vez.
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